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A felicidade

Fonte: Jornal "O Estado de São Paulo"
Por: Miguel Reale


"Não é feliz quem não educa a visão intelectual,
a sensibilidade, a forma de querer."

Nesta época do ano em que desejamos felicidade a todos, talvez seja conveniente meditarmos um pouco sobre o que seja felicidade. Em princípio, felicidade é um estado de espírito no qual a pessoa se sente realizada em sua plenitude, tanto no plano material como no espiritual.

A primeira observação a fazer é a de que esse estado de espírito nunca é permanente ou definitivo porque a vida humana é sempre um fluxo em que se alternam, quando não se conflitam, motivos de alegria e de tristeza. É por isso mesmo, devido a essa circunstância ou imprevisibilidade que o poeta Horácio, epicurista subtil, aconselhava o Carpe Diem, ou seja, a aproveitar o dia que nos oferece oportunidade de sentir prazer.

Por falar em epicurismo, não se pense que este, desde o tempo exemplas dos gregos, signifique uma entrega ao prazer pelo prazer, pois Epicuro já nos prevenia contra o prazer que é de per si fonte de dor. Na realidade, o epicurista de viés helênico é antes um equilibrista de momentos prazerosos, de tal modo que estes sempre prevaleçam, o que exige sejam mais os de natureza espiritual.

Em contraposição, podemos lembrar o exemplo dos estóicos, para quem a felicidade é reflexo ou o resultado da retidão da conduta, da capacidade que tem o sábio de temperar as vicissitudes da existência com um sentido superior de fruição equilibrada e serena.

Do diálogo imortal entre epicuristas e estóicos, uns buscando o prazer e os outros apurando a arte de superá-los, para serem felizes, já se pode tirar uma primeira conclusão: a felicidade, em geral, não se harmoniza com as atitudes extremadas, tendendo ao meio-termo, primo irmão do bom senso ou do senso comum.

Note-se que me refiro a situações que via de regra" ocorrem, pois há os homens e mulheres que optam pela felicidade máxima, ainda que efêmera, correndo o risco dos desenganos, assim como há seres humanos excepcionais que confundem sua vida com uma dedicação ou decisão extrema, e são os santos e os heróis. Às vezes, porém, o heroísmo e a santidade oferecem graus existenciais distintos, a mim atraindo a figura de um São Francisco de Assis que, mesmo quando se despoja de todos os bens terrenos, guarda um sentido de equilíbrio transcendental.

A nós, criaturas normais ou comuns, toca buscar a felicidade, afrontando os desafios do mundo, no qual o mérito e a sorte ou fortuna se completam. É que a felicidade nunca é fruto exclusivo de nossas virtudes, ou, para sermos mais modestos, de nossas aptidões, pois o acaso é também um componente essencial da vida, a tal ponto que não faltarão os seres felizes por acaso por terem nascido de olhos dominados pelos sortilégios da Lua.

O certo é que toda espécie de felicidade depende de um complexo de circunstâncias, a começar pela circunstância ontológica de nós mesmos, para pensarmos em termos de Ortega y Gasset. Em verdade, há criaturas que são infensas à felicidade, pelo simples motivo de serem eternas insatisfeitas. São os seres infelizes para os quais não há benesses que bastem e, quanto mais possuem, mais almejam conquistar, perdendo nessa ansiedade a oportunidade de serem felizes.

Há, por assim dizer, pessoas que são facilmente felizes, por não serem movidas por ambição desmedida, assim como existem outras que, a rigor, deveriam julgar-se felizes, mas não o são por motivo de inveja, por fazerem constante confronto com a suposta felicidade alheia. Existem, por conseguinte, condições subjetivas governando ou impedindo o advento da felicidade.

Dir-se-á que, até certo ponto, a felicidade se constrói, é o fruto de nossa dedicação e sobretudo da educação de nossa sensibilidade, de nossa visão intelectual e de nossa forma de querer. Não é feliz, em suma, quem não se educa para sê-lo, dependendo ela, mais do que se pensa, do caminho que somos capazes de abrir e de ir construindo.

Eis aí mais um domínio em que a educação exerce um papel dos mais relevantes. Os antigos romanos tinham bem ciência disso quando entendiam essencial ao verdadeiro cidadão ser morigerado, isto é, uma pessoa com ciência e consciência de seus próprios limites, sabendo viver de acordo com o que é usual ou normal.

Eu não creio que a civilização atual, sob o jugo das incessantes mutações propiciadas pela tecnologia da eletrônica e da cibernética, seja propícia à conquista ou à fruição da felicidade, tais e tantas são as tentações que nos levam a desejar o que ainda não temos...

O que caracteriza este fim de milênio é a angústia das mudanças incessantes, as idades do homem se atropelando vertiginosamente, a criança querendo ter a vida do adolescente, este a do jovem, o jovem a do adulto, e o adulto não querendo mais ser velho, como se a velhice não fosse uma época da vida em que não escasseiam as ocasiões de ser feliz. Nada se me afigura mais intenso à felicidade do que a falta de sintonia com a idade que se tem.

A felicidade da criança é a de ser criança, quando o mundo se abre em uma visão de sonho, feita de contínuas descobertas, de sucessivas surpresas e alegrias de descobrir. Quando se cria na criança a postiça figura do adolescente, e assim por diante, acavalando-se baralhando-se as idades, são tantas portas fechadas à felicidade, pois esta se vincula ao fluxo vital através do tempo.

Há uma ligação íntima e essencial entre tempo e felicidade, não apenas em razão de sua possível e sempre insegura duração, mas também por que cada tempo marca um estado de espírito, e este, como disse de início, a substância da felicidade como tal.

No fundo, a conquista da felicidade é uma vitória do espírito do tempo, a formação de um estado de consciência que esteja em harmonia com o momento que estamos vivendo e com tudo aquilo que nos cerca.

É a razão pela qual não podemos ser felizes sozinhos, trancados na ilha de nosso egoísmo, sem a alma participante aberta às aspirações coletivas. E o motivo pelo qual a maior felicidade é fazermos os outros felizes.

Miguel Reale, jurista, filósofo, membro da Academia Brasileira de Letras, foi reitor da USP.


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