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Ponto de vista - O sofisma da especialização
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Fonte: Revista Veja
Por: Claudio de Moura Castro
"O profissional de primeira linha pode ou não
ser
um especialista e ter a necessidade de conhecer as
últimas teorias da moda. Mas não pode prescindir
de uma profissionalização genérica."
Alguém disse que um especialista é a pessoa que sabe cada vez mais
sobre cada vez menos. No Brasil prevalece o generalista. O especialista
não está nos empregos mais cobiçados.
Pensemos no caso dos cientistas. Noventa e nove vírgula nove por cento
dos mortais não entendem suas publicações, sobretudo nas ciências
naturais. Mas um cientista fez um primário e secundário genérico,
uma faculdade pouco especializada e os cursos de doutorado são bastante
amplos e, quase sempre, multidisciplinares. Portanto, em seus vinte
anos de estudos, relativamente pouco tempo foi concentrado em áreas
especializadas. E mesmo estudando áreas especializadas, muito do proveito
foi afiar a capacidade de manipular idéias.
No fundo, o bom cientista é um grande generalista que, além disso,
domina uma área específica.
Os russos tinham um curso para engenheiros especializados em tintas
com pigmento orgânico e outro para inorgânico. Mas se são bons engenheiros
é porque passaram muitos anos adquirindo uma competência mais ampla
para analisar problemas e pensar claro.
É a maior capacidade de pensar de forma abrangente que faz de alguém
um grande cientista e não um reles operador de laboratório. Robert
Merton demonstrou que a diferença entre um prêmio Nobel e outros cientistas
é sua capacidade de escolher o problema certo na hora certa. Portanto,
não é o conhecimento especializado - por certo necessário na pesquisa
e em muitas outras áreas - que conta, mas a combinação deste com uma
série de competências generalizadas. Ou seja, todo especialista de
primeira linha é também um generalista.
Dentre as ocupações valorizadas e mais bem remuneradas, há duas categorias.
A primeira é a dos cientistas, engenheiros e muitos outros profissionais
cuja preparação requer o domínio de técnicas complexas e especializadas
- além das competências "genéricas".
Ninguém vira engenheiro eletrônico sem longos anos de estudo. Mas
pelo menos a metade das ocupações que requerem diploma superior exige
conhecimentos específicos limitados. Essas ocupações envolvem administrar,
negociar, coordenar, comunicar-se e por aí afora. Podem-se aprendê-las
por experiência ou em cursos curtos. Mas somente quem dominou as competências
genéricas trazidas por uma boa educação tem a cabeça arrumada de forma
a aprendê-las rapidamente. Por isso, nessas ocupações há gente com
todos os tipos de diploma. Nelas estão os graduados em economia, direito
e dezenas de outras áreas.
É tolo pensar que estão fora de lugar ou mal aproveitados, ou que
se frustrou sua profissionalização, pois não a exercem.
É interessante notar que as grandes multinacionais contratam "especialistas"
para posições subalternas e contratam, para boa parte das posições
mais elevadas, pessoas com a melhor educação disponível, qualquer
que seja o diploma.
A profissionalização mais duradoura e valiosa tende a vir mais do
lado genérico que do especializado. Entender bem o que leu, escrever
claro e comunicar-se, inclusive em outras línguas, são os conhecimentos
profissionais mais valiosos.
Trabalhar em grupo e usar números para resolver problemas, pela mesma
forma, é profissionalização. E quem suou a camisa escrevendo ensaios
sobre existencialismo, decifrando Camões ou Shakespeare pode estar
mais bem preparado para uma empresa moderna do que quem aprendeu meia
dúzia de técnicas, mas não sabe escrever.
A lição é muito clara: o profissional de primeira linha pode ou não
ser um especialista, dependendo da área. Pode ou não ter a necessidade
de conhecer as últimas teorias da moda. Mas não pode prescindir dessa
"profissionalização genérica", sem a qual será um idiota, cuspindo
regras, princípios e números que não refletem um julgamento maduro
do problema. Portanto, lembremo-nos: especialista não é quem sabe
só de uris assunto, e ser profissional não é apenas conhecer técnicas
específicas. O profissionalismo mais universal é saber pensar, interpretar
a regra e conviver com a exceção.
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